terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Cientistas investigam as causas da violência entre adolescentes

Pesquisadores gaúchos firmaram convênio com ex-Febem
para realizar estudo neurocientífico e social de jovens homicidas
Carlos Etchichury *
Sob coordenação da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)


Aos 52 anos, o geneticista Renato Zamora Flores, doutor em genética e biologia molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), está diante de um dos seus mais desafiadores e polêmicos projetos de pesquisa. Ele lidera, em parceria com o professor e diretor do Instituto de Pesquisas Biomédicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Jaderson Costa da Costa, um grupo de 20 pesquisadores das duas instituições envolvidos num projeto que pretende examinar a história familiar e o cérebro de 50 jovens homicidas internados na Fundação de Atendimento Socioeducativo do Estado do Rio Grande do Sul (Fase) – ex-Febem gaúcha.

A partir de uma bateria de exames sociais, psicológicos, psiquiátricos, neurológicos e genéticos nos adolescentes e seus familiares, os pesquisadores buscarão compreender as raízes da violência. O passo adiante seria aplicar políticas públicas voltadas para o público em situação de vulnerabilidade social no Estado.
O pesquisador Renato Zamora defende o determinismo como forte influência nas características das pessoas
O projeto, que deve se estender por dois anos, conta com a simpatia do governo gaúcho: o médico Osmar Terra, Secretário Estadual da Saúde, é um dos envolvidos na pesquisa na condição de mestrando da PUCRS. Os pesquisadores aguardam manifestação dos comitês de ética das universidades, que estava previsto para acontecer no mês de março.
Antes mesmo de os trabalhos se iniciarem, a pesquisa virou polêmica nacional. Um grupo formado por psicólogos, educadores ligados a universidades e integrantes de ONGs posicionou-se contra a realização dos estudos por temer, entre outras coisas, a estigmatização dos adolescentes em conflito com a lei. A inclusão de análise genética e neurológica dos internos da Fase valeu  
a comparação com “práticas de extermínio e exclusão” e “eugenia” (estudo dos fatores propícios ao melhoramento genético da espécie). O grupo lançou um abaixo-assinado e uma carta de repúdio.
Contrariado com os acontecimentos e com o que chama de “desinformação”, Flores rechaça a hipótese de estigmatizar adolescentes. Cientista reconhecido, Flores tem atuação fora dos limites da academia. Em 1987, quando começou a coletar dados para sua tese de doutorado – que seria sobre incesto –, deparou com algo até então desconhecido: o sofrimento silencioso de crianças e adolescentes vítimas de abuso e relações incestuosas: “Fiquei apavorado e achei que tinha obrigação moral de fazer alguma coisa”, diz o professor.
Atualmente, ele coordena um ambulatório destinado a vítimas de maus-tratos chamado “Proteger Saúde Comportamento Violento”, que funciona na UFRGS e realiza cerca de 4 mil consultas ao ano. Com experiência acadêmica e prática na área da infância, Flores defende que o ambiente social é capaz de produzir alterações cognitivas na mente de adolescentes. “Uma pessoa começa com uma história de maus-tratos e sofrimento, e vai progredindo para uma resposta comportamental cada vez mais hostil”, afirma o pesquisador.
Renato Zamora conversou com o jornalista Carlos Etchichury sobre seu trabalho, defendeu idéias polêmicas e revelou detalhes da pesquisa. A seguir, os principais trechos da entrevista.
ANDI – Qual é a idéia central da pesquisa que mapeia o cérebro de adolescentes que cometeram atos infracionais violentos?
Renato Zamora Flores – Vamos examinar pessoas precocemente violentas. Estudando jovens, poderemos achar mais facilmente as causas primárias [da violência] do que se fôssemos estudar indivíduos mais velhos. Os adolescentes mais violentos acabam sendo criminalizados. Nesse sentido, devem estar cumprindo medidas socioeducativas na Fase (Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul). Para selecionar os mais violentos, vamos adotar uma definição formal: os homicidas. Sem dúvida, o homicida cruzou um limite que é importante na nossa cultura. Ele eliminou outra forma de vida equivalente à dele. A idéia é identificar as causas primárias dos atos violentos e suas conseqüências.
"O homicida cruzou um limite que é importante na nossa cultura. Ele eliminou outra forma de vida equivalente à dele"
ANDI – Como vai se iniciar a investigação?
Renato Zamora – Na gestação. Num estudo anterior ao nosso, também na Fase, que ninguém prestou muita atenção, vimos a relação entre o consumo de álcool e de drogas das mães durante a gestação com o comportamento violento [dos filhos]. A gente sabe que o uso de álcool durante a gestação produz certo tipo de dano no cérebro que pré-dispõe ao comportamento violento. Neste estudo que mapeia o cérebro de adolescentes infratores, uma avaliação detalhada – quer entrevistando o adolescente, quer entrevistando um terceiro –, sobre como foi o ambiente nos primeiros anos de vida, nos dará um mapa de como esse sujeito entrou no mundo. Vamos ver se ele tem danos neurológicos, seqüelas de alguma doença. Utilizaremos um exame de ressonância nuclear, que não mexe no cérebro. Nessa análise de como o sujeito se constituiu, entra uma avaliação neurológica e uma psiquiátrica. Queremos estudar, por meio da ressonância, as respostas aos estímulos emocionalmente relevantes. Mostrando imagens neutras e imagens emocionalmente carregadas, verificaremos, por exemplo, se as áreas da emoção vão reagir do mesmo jeito. A nossa hipótese, que já está na literatura, é a de que encontraremos uma diminuição do funcionamento de algumas áreas do cérebro. Digamos que elas travaram de tanto medo que esse sujeito sentiu no seu desenvolvimento.
ANDI – O senhor diz que o uso de álcool durante a gestação produz certo tipo de dano no cérebro que pré-dispõe ao comportamento violento. A pesquisa constatou isso?
Renato Zamora – Sim. E muitas outras pesquisas mostraram este efeito danoso do álcool.
ANDI – O senhor participou da pesquisa?
Renato Zamora – Sim, era co-orientador.
ANDI – A possibilidade de que seja encontrado uma diminuição do funcionamento de algumas áreas do cérebro é a principal hipótese da pesquisa?
Renato Zamora – Ela diz respeito a como o indivíduo está agora. Mas também vamos estudar alguns polimorfismos genéticos, que estão relacionados à impulsividade. Nesse nível, a hipótese é a de que fatores como polimorfismo são coadjuvantes de um ambiente ruim.
ANDI – Qual é a definição básica do polimorfismo genético? Seria uma “mudança natural”?
Renato Zamora – Um gene é polimórfico se apresenta mais de um alelo com freqüências acima de 1%. Para ser mais claro: é um gene que tem mais de uma forma, não uma mudança, mas uma variação.
ANDI – Qual o referencial teórico utilizado pelos pesquisadores?
Renato Zamora – A única coisa que amarra todos é um modelo de cérebro. Nesse sentido, o que nos une em toda a nossa abordagem é a neurociência.
"É necessário uma ótima oferta de serviços de qualidade nos primeiros anos de vida"
ANDI – Qual é o modelo de cérebro que “amarra todos”?
Renato Zamora – Um cérebro que dá conta de toda a mente.

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