sábado, 31 de outubro de 2009


 Estórias para quem gosta de ensinar
 “O Rei Leão, nobre cavalheiro, resolveu certa vez que nenhum dos seus súbditos haveria de morrer na ignorância.(...)Convocou o urubu, impecavelmente trajado em sua beca doutoral, companheiro de preferências e de churrascos, para assumir a responsabilidade de organizar e redigir a cruzada do saber. Que os bichos precisavam de educação, não havia dúvidas. O problema primeiro era o que ensinar.(...)os pensamentos dos urubus eram os mais verdadeiros; o andar dos urubus era o mais elegante; as preferências de nariz e de língua dos urubus eram as mais adequadas para uma saúde perfeita; a cor dos urubus era a mais tranquilizante; o canto dos urubus era o mais bonito. Em suma: o que é bom para os urubus é bom para o resto dos bichos.(...) Questão de organização, questão de técnica. Não poderia haver falhas. Começaram as aulas, de clareza mediana. Todo o mundo entendia. Só que o corpo rejeitava.(...)Depois de uma aula sobre o cheiro e o gosto bom da carniça, podiam se ver grupinhos de pássaros que discretamente (para não ofender os mestres) vomitavam atrás das árvores. Por mais que fizessem ordem unida para aprender o gingado do urubu, bastava que se pilhassem fora da escola para que voltassem todos ao velhos e detestáveis hábitos de andar. E o pavão e as araras não paravam de cochichar, caçoando da cor dos urubus: ‘Preto é a cor mais bonita? Uma ova...’ (...) Uma idéia a ser explorada: para educar bem-te-vi é preciso gostar de bem-te-vi, respeitar o seu gosto, não ter projeto de transformá-lo em urubu. Um bem-te-vi será sempre um urubu de segunda categoria. Rubem Alves

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